Art&MusicaLSlides® "O Orgulho e a Consciência"
O Orgulho e a Consciência
No dia 21 de maio - sexta-feira - em 2010, portanto há quase dois anos, Jô Soares em seu programa noturno na TV Globo entrevistou o excelente ator e cantor Alexandre Schumacher.
Alexandre imita com incrível perfeição o cantor Vicente Celestino, imortalizado pela sua canção mais notória – "O Ébrio"; quem poderá dizer nunca ter ouvido sequer uma estrofe desse sucesso? "Tornei-me um ébrio e na bebida busco esquecer. Aquela ingrata que eu amava e que me abandonou ..."
Durante o transcorrer da entrevista, Jô Soares questionou afirmativamente seu entrevistado perguntando:
- Você é baiano, não é mesmo?
Alexandre surpreendeu o entrevistador respondendo:
- Sou, mas eu não gosto de me gabar...!
Imediatamente ouviu-se o gargalhar do Bira - notório baiano, com natural eco da platéia.
Essa resposta bem humorada pode ser entendida de diferentes formas, mas invariavelmente reafirmará o sentimento positivo do ator por ter nascido na Bahia. Orgulho no sentido pejorativo do termo? Certamente que não !
Esse episódio faz recordar algumas situações que também ensejam similar questionamento acerca de aparente expressão do orgulho, especialmente quando sua pratica é assimilada por terceiros como eventual e desagradável demonstração de arrogância:
Lutadores sérios de arte marcial, especialmente praticantes daquelas especialidades de origem oriental – Japão e China – aprendem desde logo - atesto por experiência própria, que a técnica que lhes é ensinada os torna muito superiores em termos de combate do que a média das pessoas e, por isso mesmo, adquirem uma postura não beligerante em suas vidas, agindo com extremo controle – chegando mesmo a promover todo esforço possível para não ter que se atracar fisicamente com ninguém, visto saber que inevitavelmente irão causar muitos estragos físicos ao adversário. E assim, resolutos, deixam - sem se importar, que ilações sem sustentação lhes sejam feitas..., as vezes até beirando a ofensa.
Será o orgulho que incita tal comportamento ou a plena consciência de supremacia marcial e conseqüente respeito à integridade física do oponente?
Lembro de antigo seriado que há varios anos passava na TV, intitulado Kung-Fu, onde o personagem "Gafanhoto", vivido pelo recém falecido ator David Carradine, procurava ao extremo não ter que lutar, e surrar os "maus elementos" que surgiam em cada episódio. Demonstração de arrogância? Certamente que não, mas sim consciência da maestria da qual era portador.
Há mais de duas décadas eu tive uma motocicleta Honda, modelo Gold Wing, de grande potencia – 1000 cc, e desempenho. Por inúmeras vezes, ao parar em um semáforo com o sinal vermelho, algum outro motociclista (a "coqueluche" da época era a Honda CBR 400 – fabricada no Brasil) que estivesse também parado ao meu lado olhava para o meu lado e ficava acionando o acelerador como que a me "desafiar" para uma "arrancada". Habitualmente eu acionava através da manopla o ronco do motor de minha Gold Wing, como à dizer que aceitava o desafio; pronto, o "racha" estava acertado e a bandeirada de largada seria o semáforo mudando para a cor verde. Tão logo isso acontecia, a moto que havia me desafiado arrancava "quase que empinando" e eu, saia calmamente respeitando as leis do trânsito e os limites de velocidade, sabedor de que o desafio era por demais desigual e eu não iria me arriscar apenas para fazer demonstrações de potência de minha moto. Naturalmente os "pilotos" das motos desafiantes ficavam decepcionados e talvez até me julgassem mal... Arrogância? Evidentemente que não, mas sim prudência !
Se "viajarmos pela história", particularmente pela da Grécia Antiga, encontraremos nesse mister exemplos interessantes no campo das artes, da literatura e até da filosofia. Platão nos demonstra em múltiplas passagens de sua admirável existência, assim também seu mestre Socrates, obrigado a ingerir cicuta por preferir morrer a ter que abdicar das idéias que considerava corretas.
Em outro momento da história, no desfiladeiro das Termóplilas, o espartano Leônidas respondeu aos persas invasores que lhes disseram para que se rendesse pois "suas flechas seriam tantas que encobririam a luz do sol":
- Ótimo, combateremos à sombra.
Leônidas foi arrogante e demonstrou orgulho inconseqüente? Pelo contrário, sua postura foi uma assertiva expressão de coragem, determinação e honestidade consciente de propósitos, diante de uma situação que lhe era, e aos seus comandados, extremamente desfavorável.
Na sociedade em que vivemos, especialmente a da atualidade onde os valores parecem ter se invertido e mesmo degenerado, é muito difícil encontrar pessoas que entendam atitudes vinculadas exclusivamente à honestidade de princípios, e ao brio (entenda-se caráter), e que nada têm a ver com "levar vantagem", com a famigerada "lei de Gerson", com o orgulho, a modéstia, a arrogância, a humilhação, etc., mas sim com a plena consciência de seus reais limites - forças e tibiezas, saber e ignorância - e com o absoluto respeito por si próprio e pelas demais pessoas, aliás, considerando os compromissos que inevitavelmente irá assumir, com seus respectivos efeitos a curto, médio e longo prazos.
Sabemos perfeitamente que é muito difícil atingir o nível em que se possa ter atitudes tão somente norteadas por esses parâmetros – consciência e honestidade de princípios – e, bem por isso, é ainda mais difícil ser compreendido por terceiros, o que invariavelmente provoca comentários desairosos seguidos de pechas injustificáveis. As pessoas, ainda míopes, sentem-se feridas em seu próprio orgulho, este que elas "entendem" equivocadamente estar sendo praticado contra si...
Que pena, e como é triste constatar que a sensibilidade ainda empedernida é inerente ao atual nível evolutivo da massiva maioria da humanidade.
Por outro lado, atingir o nível em que se consiga pautar rigidamente o comportamento por esses atributos, tão desejáveis quanto difíceis de serem hodiernamente identificados no dia-a-dia das pessoas, só é possível após o aprendizado proporcionado por múltiplas experiências, duramente vivenciadas. E ainda mais, aliadas à aceitação de uma filosofia de vida que considere a existência presente em ponderação limitada à sua relativa importância, não se alijando das inevitáveis responsabilidades advindas perante o futuro, tendo em vista a longa jornada de aprimoramento em que nos encontramos e que vimos trilhando desde sempre.
Assim, pois, dia chegará em que a transparência nos relacionamentos, sejam eles de que natureza o forem, fluirão com maior naturalidade e espontaneidade, proporcionadas pelo exercício individual – sem a mácula da contaminação por sentimentos menores, efetivos ou "imaginados", de parte à parte – de nossa responsabilidade por cada ato praticado, por cada palavra proferida ou escrita, e pela plena consciência de que somente com a necessária e imprescindível transparência poderemos construir base sólida ao nosso progresso individual e só então este poderá se estender ao comportamento de toda humanidade.
28 de março de 2012
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