INFLUÊNCIA DO ESPIRITISMO

NA EVOLUÇÃO DO HOMEM CONTEMPORÂNEO
Escreve: Ciro Pirondi
Em: Novembro de 2012
http://www.viasantos.com/pense/arquivo/1388.html

 

UM SENTIDO DE MODERNIDADE

 

O homem contemporâneo perdeu a confiança em sua capacidade de controlar o futuro. O futuro está na esquina, em cada laboratório, ou nas quatro paredes de uma sala, onde um pensador elabora novas proposições para a humanidade. O homem contemporâneo vive assim, um pouco como Narciso, assustado com sua própria imagem.

 

Nestes últimos 80 anos não houve sistema científico que não tenha sido virado do avesso, tão pouco concepções filosóficas que tenham resistido.

 

O mundo moderno é caracterizado pela contradição existente da força entre o desenvolvimento tecnológico que a cada dia nos oferece uma nova noção acerca do tempo, do espaço e da história, e as exigências sentimentais de relacionamento, trabalho, vida em sociedade, família e sexo.

 

Ao verificar este estado de coisas, muitas vezes nos questionamos se realmente houve evolução, afinal, não continuamos como nossos antepassados, com um pouco menos de pelo e um instrumental mais sofisticado? Esta sensação de estacionamento, no entanto, é ilusória, as máquinas, os avanços tecnológicos nos libertaram das doenças, das epidemias, tornou nosso trabalho mais leve e a perspectiva de vida humana foi ampliada. No entanto, ao par deste avanço, continuamos com um sistema social injusto que manipula as descobertas da ciência, que deveriam ser um patrimônio coletivo, em proveito egoístico de poucos. A televisão é um instrumental maravilhoso, pródigo em possibilidades, as máquinas eletrônicas dessa terceira fase de revolução industrial que atravessamos são capazes de equilibrar as informações, armazenando dados essenciais para a vida humana.

 

Rodeado de uma parafernália capaz de lhe assegurar uma condição de vida melhor, contraditoriamente o homem sente-se inseguro. Ao lado de toda essa evolução, paramos nas janelas de nossos edifícios e olhamos a cidade, com seu tecido urbano totalmente comprometido pelos interesses de circulação e escoamento das mercadorias; as ruas cheiasde automóveis, o ar totalmente poluído. A cidade perdeu, assim, seu valor de uso e ficamos somente com o valor de troca e, o que ainda é pior, chamamos isso de progresso.

 

Todas as ideologias do inicio do século tais como o Marxismo, o Existencialismo, a Psicanálise e, mais recentemente, a Linguística, que propunham uma saida para o homem ruíram ou estão sendo reavaliadas.

 

A África mantém um sistema social do século 18, com todos os diamantes e poderes do século 20. No nordeste brasileiro temos toda uma geração de crianças comprometidas na sua capacidade de raciocínio, por falta de alimentação; gastamos somente no ano de 1985, quatro vezes mais em armamentos do que as dívidas externas dos países em desenvolvimento juntos.

 

Contraditoriamente, enviamos máquinas maravilhosas para visitar outros planetas em uma viagem fantástica, que a apenas 50 anos atrás seria inconcebível.

 

Criamos, assim, nesses últimos 100 anos, uma sociedade tecnológica extremamente erudita e culturalmente fraca; pois a erudição é a característica do conhecimento que valoriza a informação, colocando-a em um patamar distante da formação e da vida. A cultura, no entanto, concebida como atividade humana, só tem um significado: a realização do homem, esse animal muito especial e peculiarmente dotado; uma espécie única, solitária e social.

 

Estas oposições da sociedade são as molas propulsoras da evolução. As discrepâncias e a aparente desorganização reinante são as tendências naturais do universo. O homem, o ser pensante do universo, opõe-se a esse processo criando ordem, buscando organizar e gerando, por contradição, novo estado de desorganização. Assim, neste processo dialético, na busca de uma síntese impossível, fazemos nossa evolução. No caos aparencial da vida, construímos a Vida.

 

Fomos acostumados a ver tudo isso de maneira excludente, colocando de um lado o que é mal e de outro, o que é bom. Não exploramos nossa capacidade de questionamento a respeito dos fatos, para concluirmos até que ponto tal fenômeno é natural ou cultural e, consequentemente, manipulado. Procuramos sempre um fim utilitário e imediatista para tudo que nos cerca.

 

Perdemos nossa capacidade poética de ver e sentir a vida. Sempre precisamos mensurar as coisas, para verificar qual o retorno em termos de benefícios materiais que tal possa nos trazer, afastando-nos cada vez mais da forma de pensar da filosofia e da ciência contemporânea, que não indagam mais sobre o tamanho do universo, e sim, se ele é “aberto” ou “fechado”.

 

Estamos, assim, por imposição de uma sociedade utilitarista, míopes para perceber o que nos cerca; estudar o que nos interessa; desenvolver nossa sensibilidade para com o universo que nos rodeia.

 

Preso, com os dois pés no chão, o homem contemporâneo não percebe que mesmo para se locomover é necessário que um esteja no ar para que ele consiga caminhar.

 

Esse Homem Contemporâneo somos todos nós que, nestes últimos anos, construímos a história, da qual o Espiritismo participa. O que nos cabe hoje, passados 130 (155) anos de sua existência é avaliar qual sua participação nesta história.

 

CONTEMPORANEIDADE DO ESPIRITISMO

 

A influência do espiritismo na evolução do homem contemporâneo inexiste.

 

Afastamo-nos da cultura de nosso tempo e não pudemos influenciá-la. Fizemos questão, principalmente a partir da década de 30, em nos institucionalizarmos como religião, esquecendo e por vezes considerando desnecessários os estudos e as pesquisas que visavam interrelacionar o Espiritismo com as demais áreas do conhecimento.

 

Esta tendência quase à natural da cultura do Ocidente, reforçada a partir da Revolução Francesa, de departamentalizar o conhecimento, nos levou por questão de formação a uma área estanque e indiscutível, aquela que trata das questões divinas e sagradas, onde a ciência humana não tem acesso. A consequência primeira disso foi passarmos a encarar os livros espíritas como livros santos, e seus médiuns e dirigentes na condição de mitos.

 

Tal corte histórico tem a intenção de análise para verificar os fatores que determinaram o atual estado do Espiritismo, o que nos leva a perguntar: há um sentido de atualidade nas propostas espíritas? O Espiritismo atende aos anseios do homem contemporâneo?

 

Os princípios fundantes da filosofia espírita por se assentarem na natureza, continuam e continuarão com o mesmo significado do início, ou seja, a imortalidade não é um patrimônio da filosofia espírita mas uma condição natural humana. A maneira pela qual o Espiritismo a estudou e as consequências morais advindas de tal fato continuam sendo atuais, pois se não conseguimos comprovar a imortalidade do homem para a coletividade, também não foi possível acabar com sua possibilidade. As circunstâncias podem ter variado, a metodologia científica positivista empregada por Kardec pode estar ultrapassada, mas o principio é o mesmo.

 

Ha uma outra questão, sobre este sentido de atualidade do Espiritismo, a qual prende-se o seu movimento. Nós nos organizamos para DEFENDER uma verdade e não para ESTUDAR suas possibilidades. Esta foi a consequência mais direta de tê-lo elevado à condição de algo divino; e o que é divino se defende e não se questiona.

 

O que nos interessava não era a descoberta inicial, mas a busca contínua da verdade acerca da imortalidade do ser. A vida e movimento constante, múltipla em suas determinações, não-linear em suas relações; e o Espiritismo para responder aos anseios do homem contemporâneo não pode pretender-se uma doutrina totalitária, capaz de equacionar tudo ou servir de tábua de consolo a todos.

 

O Espiritismo é um processo vivo não acabado, que caminha em par com o desenvolvimento tecnológico e com as descobertas do homem, e por trazer ao conhecimento um dos elementos constitutivos do universo — o elemento espiritual — ele deveria contribuir com todos os avanços da ciência e da filosofia. No entanto, reproduzindo a própria contradição da vida, a que nos referimos momentos atrás, o movimento espírita tem sido ao largo da história o principal obstáculo para o Espiritismo. Com uma filosofia aberta e revolucionária, montamos um movimento fechado e sectário. Possuímos uma mensagem capaz de equacionar alguns dos principais problemas do homem como indivíduo e a sociedade como organismo multicelular, mas não temos um canal adequado para transmiti-la.

 

Assim, estamos fora das universidades, fora das discussões nas áreas da política e da sociedade e, definitivamente, não fazemos parte da cultura de nosso tempo.

 

O poeta e pensador Ezra Pound, referindo-se às descobertas humanas, diz que podemos dividi-la em três categorias de pensadores: aqueles que ele classifica de Inventores ou Criadores, que são os que captaram o momento primeiro de uma revelação; os Mestres, os quais recolhem a ideia original proposta pelos Inventores, a desenvolvem e ampliam-na, tornando-a mais rica e compreensível. E, finalmente, Pound nos fala dos Diluidores, os que distorcem a ideia inicial, comprometendo o objetivo central da mesma.

 

Em nosso meio alimentamos grande número de Diluidores do pensamento original de Allan Kardec, aceitando-os como Mestres, quer sejam encarnados ou não. Com isto, descaracterizamos em grande parte a proposta inicial. Desprezamos alguns poucos Mestres que desenvolveram com fidelidade a proposta inicial e valorizamos aqueles que diluíram o caráter racional do Espiritismo e acentuaram em suas propostas nossas tendências místicas.

 

A realidade histórica demonstra que sempre modificamos as ideias iniciais. Os Romanos fizeram isso com o mundo Grego; desfiguramos o Cristianismo e na Ásia ocorreu o mesmo com o Budismo. Mesmo nos meios materialistas transformamos Marx em um fantoche e o Marxismo em uma seita para intenções individuais e escusas. Essa tendência humana colocou o movimento espírita em um impasse, caracterizado pela impossibilidade de colocarmos nossos conceitos frente a uma sociedade que se encontra entre dois extremos: de um lado, o ceticismo materialista do nada e de outro, o misticismo pueril das religiões. A visão espírita, que seria integralizadora, onde o homem é visto em toda a sua complexidade sócio-bio-psíquico espiritual não consegue ter participação nessa discussão, que polariza os dois extremos da filosofia contemporânea.

 

A HUMANIZAÇAO DO ESPIRITISMO

 

A finalidade principal de qualquer teoria, quer seja ela científica ou filosófica, é o Homem.

 

O Espiritismo é uma filosofia humanista, sendo, portanto, seu objetivo primordial o homem. Colocando-a num plano sobrenatural, inacessível ao ser comum, nós o desumanizamos e perdemos o contato com o plano real, com a sociedade dos homens.

 

Nossa literatura, principalmente a mediúnica, fala de coisas etéreas. Em nossos romances permeia a ideia do sexo como um tabu, como pecado. A comida é tida em boa parte de nosso meio como algo excessivamente “material”. Nossas instituições, principalmente aquelas com porte grande, mantém características hierárquicas bem definidas e nossos centros possuem um espaço arquitetônico semelhante ao dos templos: seu desenho designa sua função.

 

Será necessário reciclar novamente nossa perspectiva de atuação na sociedade, se quisermos participar dela. Justificarmos tudo como uma tendência mística de nosso povo nos levará a rodar em falso e o mundo nunca se transformará.

 

Mudar não significa destruir, mas compreender que o processo do “novo” faz parte da história.

 

Continuar construindo templos, editando livros sagrados, fazendo reuniões com ar de mistério, não nos aproximará do homem atual, mas sim, nos distanciará cada vez mais.

 

Os jovens continuarão indo ás universidades e ouvirão o discurso materialista. Essas serão as cabeças que irão fazer as leis e dirigir o mundo de amanhã.

 

Devemos humanizar o Espiritismo, recolocá-lo no plano humano para atender as reivindicações do homem. O Espiritismo é uma proposta viável para o ser humano, desde que seja encarado como um processo natural.

 

Os assuntos que ele aborda referem-se às questões que até aqui têm sido objeto somente das religiões e das seitas ocultas. Mas, ele é justamente o rompimento dessa tradição secular entre o sagrado e o profano. Uma nova forma de ver e estudar as questões da natureza espiritual do homem. Assim como Galileu no século 16, através de seus estudos foi preso e quase queimado pela inquisição, e apesar de tais estudos não serem religiosos, discordavam da concepção religiosa da época, mas que nossos filhos hoje estudam nas escolas nas aulas de ciência natural. O mesmo caminho, por certo, deverá percorrer o Espiritismo. Seus estudos necessitam de uma forma nova, mais criativa e adequada ao nosso desenvolvimento, a fim de se integrarem ao domínio das Ciências Naturais.

 

Como já dizia Kardec: “A ciência sem o Espiritismo é incompleta e o Espiritismo sem a ciência carece de provas” (A Gênese, cap. I). Já caminhamos por vários anos nessa estrada. São mais de 100 anos de um Espiritismo apenas consolador e assistencialista. Talvez tenha sido necessário, pelas contingências socioculturais de nosso povo, mas temos que encarar o fato de que assim não influenciaremos o mundo e tão pouco ajudaremos o Homem na sua Evolução.

 

APONTAMENTOS FINAIS

 

Partindo da premissa de ainda ser possível influenciar a cultura de nosso tempo, é essencial desenvolver nossos esforços em dois níveis: um prático, alterando nossas sociedades espíritas, quase que na sua totalidade. Não permitirmos que nossos centros cresçam em demasia porque ocasiona invariavelmente a perda da qualidade e a centralização do poder. Pequenos grupos são preferíveis aos grandes.

 

Transformar a característica federativa do movimento nacional sem traumas, criando uma sociedade de estudos e pesquisas espíritas, aberta a todos os pesquisadores e estudiosos do assunto. Sociedade esta com caráter científico, filosófico, retomando as características daquela fundada por Kardec.

 

A partir daí começar-se-ia a formular uma metodologia científica, adequada ao século 20, com base na ciência relativista do mundo contemporâneo. Aproximaríamos-nos das universidades e dos centros de pesquisa de todo o mundo, onde se realizam pesquisas na área paranormal, procurando trocar informações, colher dados e fornecer nossas experiências retiradas de cada centro espírita com método e bom senso.

 

Tais mudanças não significam retirar o aspecto ético do Espiritismo, caindo na contradição da antiga Metapsíquica, o fenômeno pelo fenômeno o que, aliás, é impossível acontecer, pois o Espiritismo é uma visão gestáltica da vida onde razão e sentimento são as forças que equilibram o universo.

 

Esse nível prático é uma aproximação do que seria possível realizar. O segundo nível, que antecede esse primeiro, é o que se refere ao plano das ideias, “... e o mundo é o mundo das ideias” (Platão), são elas que transformam a sociedade através da reencarnação, num processo dialético entre o individual e o coletivo.

 

A mentalidade espírita poderá, através de uma mudança na forma de enfocar a Doutrina, ir alterando sua estrutura, atingindo cada vez mais um patamar de conhecimentos e uma visão nova sobre a própria Doutrina.

 

É essencial olharmos o Espiritismo nesse momento da evolução humana com os olhos livres, condição necessária para nos projetar em uma nova etapa do processo evolutivo, onde continuaremos tentando equacionar a contradição existente na vida entre a liberdade e a necessidade.


Fonte: Anais do 7º Congresso Espírita Estadual - Edições USE - 1ª edição - março de 1997. O evento foi realizado em Águas de São Pedro-SP, de 22 a 24 de agosto de 1986.

 

Ciro Felice Pirondi, arquiteto, foi presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil - IAB Nacional, da Fundação Vilanova Artigas, fundador da Sociedade Espírita para Estudo do Homem e Diretor-executivo da Casa Lúcio Costa - RJ. É diretor-fundador da Escola da Cidade, Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. E-mail: ciropirondi@escoladacidade.edu.br

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