Art&MusicaLSlides® "A ORIGEM DA VIDA - CORRELAÇÕES COM A DOUTRINA ESPÍRITA"

A ORIGEM DA VIDA – CORRELAÇÕES COM A DOUTRINA ESPÍRITA

Ana Maria R. Catalano

 

 

“Atribuir à espontaneidade e ao acaso a existência e a formação do mundo sensível é o absurdo de um homem que não sabe compreender nem olhar. É impossível que um amontoado de corpo faça a vida e que coisas sem inteligência engendrem a inteligência”. (Plotino – 205/270)

 

 

A dificuldade em discorrer sobre o tema proposto já se evidencia a partir da grande complexidade em se definir ou caracterizar o que chamamos de VIDA. À primeira vista, tem-se a impressão que distinguir um ser vivo de um não-vivo é uma questão de simples definição: um organismo vivo é tão somente um sistema capaz de assegurar sua própria conservação - se manter e se reproduzir – condições básicas para assegurar sua continuidade pois, grosso modo, parecem ser os critérios científicos válidos para marcar essa diferenciação.

 

Mas, se formos investigar determinados microrganismos como bactérias e fungos, mesmo através dos mais potentes microscópios, notamos a ausência aparente de movimento e reprodução; contudo, eles se movimentam e se reproduzem como qualquer outro ser vivo. Na mesma linha de raciocínio temos os vírus, organismos ainda menores que comportam em seu íntimo uma estranha ambigüidade: situam-se entre a fronteira do vivo e do não-vivo, uma vez que estão “inertes” e manifestam atividade apenas se encontrarem condições ideais dentro de um outro organismo, ou seja: precisam de estruturas já organizadas biologicamente para se reproduzirem. Portanto, não é tão simples assim definir o que chamamos de VIDA, enquanto estado de atividade inerente apenas aos seres orgânicos.

 

Estes fatos apenas engrossam o rol das nossas indagações quando nos propomos a analisar as circunstâncias que favoreceram a lenta transformação da matéria passiva em matéria animada. Em “O Livro dos Espíritos”, questão nº 7 temos:

 

Podemos encontrar a causa primária da formação das coisas nas propriedades íntimas da matéria?

- Mas, então, qual teria sido a causa dessas propriedades? Sempre é preciso uma causa primária (1).

 

Portanto, se temos como corolário espírita uma causa primária, uma inteligência suprema que a tudo preside, vamos também direcionar nossas pesquisas sobre a formação dos seres a partir do pressuposto da citação acima, como sendo a vida o efeito de um agente atuante sobre a matéria imponderável, mais precisamente naquele período denominado pela microbiologia de pré-biótico, quando moléculas primitivas fizeram seus primeiros ensaios em associações e dissociações que perduraram por milênios e que representaram toda a base da vida que estava por se manifestar. Paralelamente, vamos nos apoiar na Química, enquanto a ciência que trata das substâncias da natureza, dos elementos que a constituem, de suas características e propriedades combinatórias, pois ela nos revela o modo pelo qual esses elementos se juntam e reagem entre si, bem como a energia despendida ou absorvida durante estas transformações.

 

Ela (a Química) fez surgir um número considerável de princípios até então desconhecidos, que lhe parecem formar, por determinadas combinações, as diversas substâncias, os diversos corpos que ela tem estudado e que agem simultaneamente seguindo certas leis, e em certas proporções nos trabalhos operados no grande laboratório da Natureza (2).

 

Um dos ramos importantes da Química que trata especificamente da descrição e do estudo de uma grande categoria de moléculas que formam os compostos orgânicos, fundamento de toda vida biológica é a química orgânica. Mas vamos nos deter apenas em outro ramo, mais precisamente na química inorgânica que se ocupa das reações e propriedades dos elementos primordiais em concomitância com os compostos de carbono; nossa proposta de trabalho se prende justamente no estudo das reações dos gases cujos ciclos repetitivos perduraram por milhões e milhões de anos através de um fluir contínuo que se iniciou nos primórdios da Terra, preparando terreno para formas de vida mais complexas e organizadas, e por isso trazemos à tona o axioma espírita pela obra reconhece-se o autor (3).

 

Sabemos que a matéria orgânica se constitui, primordialmente, em cadeias de átomos de carbono em perfeita afinidade com outros átomos como o nitrogênio ou fósforo, constituindo-se assim, em dezenas de milhares de compostos. Contudo, para que essas cadeias atômicas venham a se constituir, é preciso que haja a combinação de vários fatores como o das constantes físicas da natureza, por exemplo, caso contrário, haveria uma desintegração das partículas que formam o núcleo atômico. Mas, em decorrência da Força Nuclear Forte e da Força Nuclear Fraca (4), responsáveis pelo aglomerado de partículas subatômicas, deduzimos então que, através de leis universais, a matéria cósmica está subordinada a um princípio inteligente que tem uma finalidade: ser o fundamento de todas as coisas e seres do Universo.

 

Todas essas forças são eternas e universais – explicaremos essa palavra - como a Criação. Sendo inerentes ao fluido cósmico, elas agem necessariamente em tudo e em toda parte, modificando sua ação pela simultaneidade ou pela sucessão; predominando aqui, atenuando-se mais ao longe; poderosas e ativas em certos pontos, latentes ou secretas em outros; mas, finalmente, preparando, dirigindo, conservando e destruindo os mundos em seus diversos períodos de vida, governando os trabalhos maravilhosos da natureza em qualquer ponto onde são executados, assegurando sempre o eterno esplendor da Criação (5).

 

O fato é que os seres vivos tiveram seu ponto de partida em sistemas inorgânicos, favorecidos pelas reações químicas aceleradas pelo calor do sol e por tempestades elétricas na atmosfera primitiva, ainda pobre em oxigênio. O resultado desse processo teria produzido os aminoácidos (moléculas simples) que constituíram a famosa “sopa primordial” dos lagos e oceanos primitivos, onde, bilhões de anos mais tarde seriam sintetizadas as proteínas, gorduras e carboidratos dos primeiros seres unicelulares. E com o decorrer dos milênios, esses compostos moleculares foram passando por contínuas transformações cada vez mais complexas e diferenciadas, revelando a atuação de leis psíquicas a dirigir suas atividades para um fim específico: a construção das futuras formas biológicas.

 

E o que nos diz a Doutrina Espírita a respeito? Conforme a questão nº 9 de “O Livro dos Espíritos", existe uma identidade entre a causa e o efeito, e por ser esta causa de ordem espiritual, ela não se esgota na manifestação do efeito; antes, nele permanece de forma atuante nos rudimentos da matéria primitiva, dando assim cumprimento à Lei de Evolução pois tudo se encadeia, do átomo ao arcanjo.

 

Esta afirmativa que nos vem da espiritualidade superior através de Allan Kardec soluciona o impasse de Stephen Hawking (6), quando ele diz que podemos conceituar a Vida, como sendo um sistema ordenado capaz de se sustentar e de se reproduzir; mas, para isso, diz ele, é necessário que haja, primeiramente, instruções específicas para que esse sistema saiba se sustentar e se reproduzir, e depois um mecanismo a tal ponto eficiente capaz de realizar essas instruções. Ou seja: um sistema já preestabelecido, com leis específicas e um mecanismo que lhes dê cumprimento.

 

Ora, assim como há apenas uma substância simples, primitiva, geratriz de todos os corpos, mas diversificada em suas combinações, da mesma forma todas essas forças dependem de uma lei universal diversificada em seus efeitos e que, nos decretos eternos, foi soberanamente imposta à criação para nela constituir a harmonia e a estabilidade. (7)

 

Eis que assim nos deparamos com fatos que ultrapassam a realidade fenomênica, fatos que nos trazem uma verdade: a atuação do espírito, princípio inteligente do universo, na condensação do fluido cósmico, aglutinando e dinamizando as partículas subatômicas, mas nelas permanecendo enquanto essência universal. Mas, trata-se de um princípio e como tal, está além da matéria constituída. Por isto torna-se imperioso destacar que em todos os ramos da Ciência há sempre um limite de conhecimento, (sem demérito algum) há sempre uma fronteira sutil, embora substancial, a separar o método analítico e experimental das realidades essenciais. E um de seus enfoques, o surgimento da vida está justamente em descobrir como se dá a passagem da matéria inerte para a complexidade de um organismo vivo.

 

Os avanços atuais da Biologia Molecular e da Microbiologia concluem que micróbios, bactérias, vegetais, pássaros, mamíferos, humanos, todos, sem exceção, são a interação de duas peças chaves no desenrolar da vida, em todos seus níveis de complexidade: DNA (8) e proteínas (9), responsáveis, portanto, pelo controle e arquitetura de cada célula. A questão é que elas provavelmente não estavam presentes nos seres primitivos que surgiram há cerca de 4 bilhões de anos. A partir destas indagações, algumas questões extremamente importantes para nossas análises vêem à tona: Qual dessas duas peças chaves veio primeiro? Quais os mecanismos responsáveis que redundaram em perfeita sincronia e aderência entre o DNA e as proteínas? Por outro lado, a correspondência assim estabelecida firma-se a partir de algo que se supõe já existir: a capacidade de manutenção e preservação, características consideradas exclusivas dos seres orgânicos.

 

Em 1936, um bioquímico russo – Aleksander Oparin – apresentou a tese da famosa “sopa” de proteínas, na qual explicava o surgimento dos seres vivos a partir dos aminoácidos, moléculas simples que formam as proteínas e que eram resultado da composição de metano, amônia e hidrogênio, submetidas a altas temperaturas e descargas elétricas. Arrastadas pelas águas das chuvas, essas moléculas foram se acumulando no fundo dos mares primitivos, formando um caldo pré-biótico ou “sopa primitiva”. Com o passar das eras, essas moléculas teriam reagido entre si, dando origem a moléculas mais complexas, das quais teriam surgido os primeiros seres vivos. Mas existem dúvidas quanto à validade desta tese, pois pesquisas científicas demonstraram que a atmosfera original da Terra não tinha nem metano e nem amônia. O problema é que mesmo que jogássemos aleatoriamente essas moléculas na “sopa primordial”, seria improvável o movimento aleatório ter formado, de uma hora para outra, uma estrutura tão complexa quanto um ser vivo.

 

O cientista norte-americano Stanley Miller conseguiu reproduzir em laboratório as condições semelhantes da Terra primitiva para testar a teoria de Oparin mas, anos mais tarde, geólogos mostraram ser improvável a Terra ter abrigado essa atmosfera exótica. O fato é que, Miller, para quebrar a inércia do metano, da amônia, do vapor d`água e do hidrogênio, produziu tão somente reações químicas por meio de eletrodos que simulavam pequenos relâmpagos; deste modo, surpreendeu a comunidade científica ao revelar que tinha conseguido produzir alguns tipos de aminoácidos, os “tijolos” moleculares que compõem as proteínas dos seres vivos. Estas experiências, embora não tão bem sucedidas, continuam ainda hoje motivando pesquisas sobre a origem da vida, um dos enigmas mais fascinantes e desafiadores da Ciência.

 

Fica claro que, sob a ordenação das Leis Naturais vigentes no Universo, a natureza teve que seguir um longo caminho evolutivo através de acertos e erros, de ação e reação ao meio ambiente, e os cientistas ainda hoje tentam decifrar este trajeto. Isto direciona nossos questionamentos a um passado ainda mais longínquo, em busca dessa inteligência capaz de estabelecer estruturas químicas suficientes para permitir, bilhões de anos mais tarde, os rudimentos de um código genético capaz de permitir que a matéria cósmica, ainda na sua imponderabilidade absoluta, se tornasse apta a manifestar o surgimento da criação divina. E então nos deparamos com algo que escapa à nossa realidade fenomênica: qual o desígnio, qual a “ação maior” que direcionou de forma organizada todas as mutações do mundo sensível, que redundaram numa complexidade gloriosa de formas vivas? Para apreender essa realidade metafísica subjacente aos seres do Universo, é preciso ir além das proteínas, além das moléculas, além dos átomos e das partículas subatômicas constituintes da matéria, ir além inclusive da nossa concepção de espaço-tempo, ou seja: é preciso remontar à “causa primária de todas as coisas”.

 

Atribuir a formação primária das coisas às propriedades íntimas da matéria seria tomar o efeito pela causa, porque essas propriedades são elas mesmas um efeito que deve ter uma causa.

...

A harmonia que regula as atividades do universo revela combinações e objetivos determinados e, por isso mesmo, um poder inteligente. Atribuir a formação primária ao acaso seria um contra-senso, porque o acaso é cego e não pode produzir os efeitos que a inteligência produz. Um acaso inteligente não seria mais um acaso. (10)

 

Tivemos no decorrer dos tempos, grandes revoluções científicas e tecnológicas em todas as áreas do conhecimento que resultaram em evidente progresso; mas o fato é que ainda hoje, cientistas, filósofos, pensadores religiosos de todos os credos se curvam ante um dos mais intrigantes enigmas: como, quando e porque surgiu o que se chama VIDA, ou seja: como foi possível que a matéria inorgânica, passiva, indeterminada, composta de simples moléculas formadas a partir de um conjunto de átomos pudesse desenvolver a desconcertante habilidade de se auto-reproduzir e dar origem a organismos unicelulares? É preciso convir que a evolução dessas moléculas foi de tal ordem, de tal complexidade e magnitude, que elas se tornaram responsáveis pela imensa diversidade da vida na Terra, além de guardarem em si mesmas

 

(...) a assombrosa e crucial propriedade de fazer cópias idênticas de si mesmas, a partir de blocos de construção moleculares cuja síntese haviam dirigido. São as eminências pardas moleculares por trás da vida na Terra. (11)

 

Podemos encontrar o rastro destas “eminências pardas” há mais ou menos 4.600 milhões de anos, mais precisamente no período Hadeano (que antecede a Era Paleozóica, de acordo com a divisão geológica do tempo) (12); por esta época, nuvens de gases provenientes do esfriamento do Universo no decorrer de milhões de anos de expansão após o big bang, misturavam-se ao hidrogênio, hélio, carbono, nitrogênio, oxigênio, ferro, alumínio, ouro e demais corpos simples, que viriam a se fixar mais tarde em um novo planeta em formação – a Terra,

 

(...) dando início a uma combustão estável e duradoura que banhava os satélites em emanações contínuas de luz, gás e energia. A essa altura (...) a massa terrestre já apresentava as condições propícias ao surgimento da vida. Em primeiro lugar, situava-se próximo a uma fonte de energia : o Sol. Em segundo, dos nove principais planetas em órbita solar, a massa terrestre não estava próxima demais, de modo que seus elementos nem fossem dispersados como gases, nem liquefeitos como rocha fundida. (...) Por fim, a Terra era grande o suficiente para conservar a atmosfera e permitir o ciclo fluido dos elementos, mas não a ponto de a sua gravidade manter uma atmosfera tão densa que impedisse a entrada da luz do sol. (13)

 

“Luz, gás e energia” – nutrientes essenciais para a manifestação e continuidade da vida e uma das características mais marcantes dos seres vivos é justamente o fato deles carregarem em sua estrutura biológica a presença deste passado remoto em forma de memória armazenada no seu código genético; embora haja várias hipóteses sobre o surgimento da vida, existe um detalhe onde há consenso, graças justamente ao registro desse passado: a evidência de que, a grande maioria dos organismos primitivos eram dependentes de luz solar, captada em forma de energia e transferida posteriormente a todos os organismos vivos. Estes elementos eram abundantes na Terra em formação, tornando-a propícia à manifestação da vida.

 

A origem e existência de vida extraterrestre vem sendo focalizada nos noticiários com grande intensidade desde os anos 1950, mas de forma crescente nos últimos anos, com a possível detecção de vida microscópica em Marte, e da existência de água em forma de oceanos sob uma manta congelada na lua Europa, de Júpiter. Esta hipótese chamada de panspermia (14), teoria segundo a qual microorganismos ou precursores químicos da vida se encontram presentes no espaço sendo capazes de dar surgimento a ela quando atingem um planeta adequado, é um dos pontos mais intrigantes da biogênese. A maioria dos cientistas, porém, mostra-se cautelosa a este respeito mesmo porque, entre outros motivos, o aquecimento de qualquer corpo celeste que por ventura entrasse na nossa atmosfera atingiria uma temperatura tão elevada que destruiria qualquer forma de vida, pelo menos da vida como a conhecemos; além do mais, tanto esta hipótese da panspermia quanto a hipótese da “geração espontânea” lamarkiana, não tocam no âmago da questão, ou seja: de um modo ou de outro, o meio adequado para a evolução dos seres a partir da matéria inanimada, foi sem dúvida, as condições em que se apresentava a Terra primitiva. O mais provável, portanto, é que os seres vivos tenham surgido espontaneamente sobre a Terra já preparada para tão glorioso evento por meio da evolução química de substâncias inanimadas, sob o comando das Leis Naturais que regem todo o Universo. Paul Davies, notável físico do Centro Australiano de Astrobiologia tem-se dedicado com afinco sobre esta hipótese:

 

Buscamos em Marte a resposta para uma das maiores questões do Universo, mas ela pode estar bem embaixo do nosso nariz.

 

(...) um fato que é freqüentemente ignorado é que a água pode ser uma condição necessária para a vida, mas está muito longe de ser o bastante. Ninguém tem idéia de como a vida pode surgir a partir de substâncias não vivas nem do que mais possa ser necessário. (15)

 

Se remontarsmos à Sagrada Escritura temos o seguinte relato: Então Iahweh Deus modelou o homem com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o homem se tornou um ser vivente. (16)

 

Nesta passagem mitológica sobre a criação contida na Gênese Mosáica, o barro ou argila seria um elemento primordial para a consolidação da vida. O interessante é que, segundo o químico Graham Cairns-Smith da Universidade de Glasgow, o barro teria sido uma das primeiras substâncias genéticas auto-replicantes e a auto-replicação é um traço fundamental para a manutenção da vida celular. Esta tese é aceita por vários biólogos cujas pesquisas concluem que as moléculas de RNA se formaram na argila, mais precisamente durante as reações que permitiram o aparecimento de ligações simples entre os aminoácidos.

 

Quando Allan Kardec nos fala do conhecimento relativo que podemos ter sobre o princípio de todas as coisas (17), valemo-nos então da Filosofia Espírita, porque ela nos aproxima dessa causa geradora, desse elemento constitutivo independente de qualquer realidade existencial, dessa essência divina que se une à matéria universal para iniciar a longa jornada em busca de sua transcendência. Esta força criadora, por ser de origem essencialmente metafísica, não pertence ao domínio cósmico; antes, atua sobre ele, imprimindo-lhe sua vontade e sua inteligência, moldando a matéria inerte como faria o oleiro hábil e diligente comprimindo a massa argilosa” (18).

 

Quando a Física Quântica se volta para investigar o porque de certas partículas inapreensíveis à experimentação, justamente por fazerem parte da essência da matéria, as palavras de Stº Agostinho nos vem à lembrança: O mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem..

 

Portanto, se a origem dos seres orgânicos resulta de uma tendência inicial da matéria rarefeita em se organizar em sistemas cada vez mais complexos, podemos chegar à conclusão, necessariamente, de que há a atuação de uma “ação maior”, inacessível à experiência, responsável pelo surgimento de uma protovida, de uma vida primitiva, não-biológica, a se manifestar na agitação e no dinamismo do núcleo atômico por força da interação dos elementos constitutivos do Universo: princípio inteligente e princípio material. (19)

 

Assim, o reino mineral vai apresentando uma série de substâncias, obedecendo a uma escala de corpos simples, verdadeira árvore genealógica, com famílias perfeitamente definidas. Esses elementos simples sofrem combinações e apresentam-se de tantos modos e variedades que a vida propriamente já existe neste reino, pelos procedimentos atômicos e moleculares, traduzindo a presença de um comando profundo (20).

 

Assim, a coesão e atração que unem as partículas no núcleo atômico obedecem a uma indução dinâmica, a um fator de ordem inteligente que se posiciona como agente entre duas realidades: uma realidade física, concreta, mensurável e uma realidade transcendental, no domínio das substâncias. A vida primitiva que se inicia atua com tal ímpeto que consegue expressar o fluido vital imanente em si própria e inicia, sob a “vontade imperiosa” do princípio inteligente, uma novo estágio evolutivo, já agora mais estruturada; a partir desse momento, tudo passa a existir no tempo e no espaço, num fluir constante e ininterrupto.

 

Este fluido penetra nos corpos como um imenso oceano. É nele que reside o princípio vital que dá nascimento à vida dos seres, e a perpetua sobre cada globo segundo sua condição, a princípio, no estado latente que dormita ali, onde a voz de um ser não o chama. (...) As moléculas do mineral têm certa soma dessa vida, assim como a semente e o embrião, e agrupam-se conforme o organismo, em figuras simétricas que constituem os indivíduos. (21)

 

E assim, após longos períodos de adaptação dos elementos físicos em dispersão, o princípio inteligente individuado prossegue no seu lento aprendizado, sem contudo esgotar suas potencialidades essenciais. Neste labor, vai inserindo sua inteligência na matéria para um outro marco decisivo – a transformação dos elementos líquidos e gasosos em corpos sólidos e densos; para tanto, há os ajustes necessários que demandam bilhões de anos, associando e dissociando as moléculas elementares sob o comando da lei de afinidade, com o objetivo de se auto-organizar para dirigir-se a estados mais ordenados e complexos. Somente a partir de uma abordagem ontológica em sua plenitude é que fica claro que a “estranha” e inexplicável tendência da matéria em se auto-organizar não é obra do acaso, mas simplesmente a presença de Deus a se manifestar na criação universal através da sua hipóstase individuada. (22)

 

Neste período, a matéria inorgânica já se apresenta com seus elementos mais bem definidos, em busca de novas fórmulas de comunicação e de equilíbrio, preparando o terreno para o aparecimento de organizações mais complexas. Assim é que ela já possui em si mesma, potencialmente, o mesmo fio condutor da vida responsável pelas formas e pelo metabolismo da flora e da fauna através das forças de atração e coesão, mas sempre sob o domínio de leis naturais. Gabriel Dellane (23) procura demonstrar a existência de uma força mental independente das forças físico-químicas que regem a constituição dos organismos. Este autor faz interessantes observações sobre o princípio inteligente quando de suas primeiras manifestações na matéria inorgânica. Segundo ele, já no reino mineral é possível encontrar traços de uma futura vida orgânica e cita como exemplo o cristal, que se diferencia das demais espécies pelo fato de suas moléculas demonstrarem uma perfeita sincronia e afinidade entre si, sempre orientadas por uma ordem geométrica fixa e constante. O princípio inteligente se prepara aos poucos para aventurar-se em novas formas da matéria, pois, de acordo com a Doutrina Espírita, a lei de atração manifesta-se tanto nos corpos orgânicos quanto inorgânicos. Podemos então concluir que nos seres inorgânicos está o suporte para a manifestação da vida.

 

Ela é o seio da boa Terra, em que a semente germina e frutifica; é o fundo dos oceanos e dos mares, é o leito dos rios e dos lagos, a plataforma rica onde a vida se agita imensa e pujante. (24)

 

Deste modo podemos situar os cristais como sendo as espécies já em estado de transição, de preparação para a formação de estruturas mais complexas, que constituem os atos primordiais dos seres vivos.

 

Na formação dos corpos sólidos, um dos fenômenos mais notáveis é o da cristalização que consiste na forma regular que certas substâncias apresentam quando passam do estado líquido ou gasoso para o estado sólido. (...) A lei que preside à formação dos minerais conduz, naturalmente, à formação dos corpos inorgânicos (25).

 

O Princípio Inteligente vai trabalhando sua individualidade à medida que a Lei da Evolução o impulsiona a auto revelar-se infinitamente; tudo já está em si potencialmente, pois ele é reflexo da perfeição divina relativizada na matéria; a própria Microbiologia comprova estes argumentos ao afirmar que a característica mais acentuada dos seres vivos é justamente o fato de carregarem em si uma espécie de memória, registros indeléveis de sua passagem pelos reinos inferiores da natureza.

 

De certa forma, a essência da vida é uma espécie de memória, a preservação física do passado no presente. Ao se reproduzirem, as formas de vida criam um vínculo com o passado e registram mensagens para o futuro. Peixes fossilizados revelam os grandes mananciais existentes há centenas de milhões de anos. Sementes que necessitam de temperaturas baixíssimas para germinar revelam os ventos gelados. Os próprios embriões dos seres humanos representam fases da história animal em seus estágios de desenvolvimento. (26)

 

E assim voltamos para nosso ponto de partida, quando nos propusemos a uma análise sucinta de alguns dos principais eventos que antecederam a grande aventura da vida, a partir da

 

(...) massa informe Proto-Matéria, que se ajusta necessariamente a todas as formas geométricas, na abrangência geral de todos os Reinos da Natureza. (...) a Filosofia Espírita da Existência estende sua observação intuitiva e cuida ver, com boa dose de certeza, o Princípio Inteligente atuante, na direção dos eventos primordiais da gestação universal... (27).

 

Apoiando-nos na Ontologia Espírita, fomos em busca desta causa imanente, deste agente atuante que, com grande zelo, tudo registra, tudo organiza e classifica no seu arquivo ontológico e orgânico que se estende no fluir da temporalidade. Nesta busca, encontramos na gênese de todo o Universo as provas da existência de uma inteligência suprema, causa primária de todas coisas:

 

Para acreditar em Deus, basta ao homem lançar os olhos sobre as obras da criação. O universo existe, portanto ele tem uma causa. Duvidar da existência de Deus seria negar que todo efeito tem uma causa e admitir que o nada pôde fazer alguma coisa (28).

 

Contudo, a essência espiritual, o ser real na sua totalidade está velado, encoberto pela aparência, pelo fenômeno que desperta nossa atenção; inacessível aos olhos materiais, só percebemos a sombra, o vulto deste ser que se projeta nas várias existências. Mas, se olharmos com os “olhos de ver”, encontraremos uma causa primária, uma inteligência suprema a se refletir em toda criação. Assim, é o espírito, enquanto princípio inteligente do universo (29) que aciona e manipula esse manual de informação das formas biológicas, quando de sua interação com o princípio material. O cientista Farhang Sefidvash, professor do Departamento de Engenharia Nuclear da Universidade Federal do Rio Grande do Sul afirma que a própria Ciência acabará por concluir pela existência de Deus: A lógica da metodologia científica vai concluir que o processo da evolução é resultante da ação de alguma força não observável. Esta força é determinada por Deus. Nós poderíamos chamar isto de “força da evolução”, a força que causou a evolução e resultou no ser humano.

 

Paul Davies entrevê a existência de algum princípio da vida atuando no Universo; segundo ele, o biólogo Christian de Duve, apelidou esse princípio da vida de imperativo cósmico (30). Como vemos, são indícios que nos revelam um dado promissor: a Ciência, embora tenha como objeto de estudo a matéria inanimada, passível de experimentação, está prestes a entrever e aceitar a existência de uma realidade imponderável, de natureza metafísica e portanto inacessível aos seus experimentos, a comandar as transformações dos corpos materiais.

 

Deste modo, na matéria mensurável a Ciência acadêmica ordena, classifica, compõe e elabora classificações para os minerais, os vegetais, os animais e o homem. Mas, no “caminho árduo e suave” da Filosofia, a Ciência Espírita se depara com um Ser dual (espírito e matéria) “viajante à procura da luz” construindo seu próprio caminho, senhor de si, reflexo da perfeição divina, amparado pela causa primária da qual é partícipe.

 

O Espiritismo e o Materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um mesmo ponto. Ao chegarem a uma certa distância, um diz: “Eu não posso ir mais longe”; o outro continua sua rota e descobre um mundo novo. (31)

 

A partir de todos os argumentos aqui apresentados pela Ciência acadêmica, temos que: no meio aquoso, na “sopa primordial” em que teria ocorrido a passagem da matéria inorgânica para o ser vivo, houve, primeiramente, o surgimento de uma barreira não aquosa, (os coacervados) cuja função era individualizar as primeiras moléculas simples (aminoácidos); assim protegidas e individualizadas, elas passaram então a desenvolver uma espécie rudimentar de metabolismo, qual seja: capacidade de conservação e de auto-reprodução.

 

Porém, temos que considerar em nossas conclusões os postulados da Doutrina Espírita pois, como diz Herculano Pires, “Não podemos ainda apreender e entender a natureza essencial e estrutural do princípio inteligente. Mas podemos nos aproximar da periferia, dos contornos dessa essência” (32). A partir desta aproximação, fica claro que existe uma força de natureza espiritual a preparar o caminho para o surgimento da vida. É o princípio inteligente, causa geradora de tudo o que existe, vivente ou não vivente a expressar a presença de Deus na matéria. Para tanto, tem em si potencialmente “a marca do autor” que lhe permite percorrer todos os filamentos e saliências do mineral, em lenta aprendizagem. Isto explica o “estágio” no mineral, afim de adquirir experiências que lhe dê condições de criar uma estrutura ( o “mecanismo” a que nos referimos no início deste trabalho) que lhe possibilite realizar o plano divino do qual é portador: a Vida.

 

NOTAS:

 

(1) KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos. Parte 1ª, perg. 7

(2) KARDEC, Allan. A Gênese, cap. VI, item 4

(3) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos - perg. 9

(4) As quatro Forças do Universo: Força da Gravidade , Força Eletromagnética, Força Nuclear Forte e Força Nuclear Fraca

(5) KARDEC, Allan. A Gênese - cap. VI, item 11

(6) HAWKING, Stephen – O Universo numa Casca de Noz. Ed. Arx., 5ª edição, 2002

(7) KARDEC, Allan – A Gênese, cap. VI, item 10

(8) DNA -> ácidos nucléicos (açúcares, fosfato e bases nitrogenadas) – são as moléculas mestras da vida; guardam todo o conhecimento sobre como um organismo deve produzir uma nova geração do mesmo tipo de seus antecedentes, ou seja: elas determinam quais proteínas devem ser feitas e quando.

(9) Proteínas ( aminoácidos)– são elas que guiam o metabolismo, ditam as regras e o ritmo sob o qual as demais moléculas devem interagir num determinado organismo.

(10) Comentários de Allan Kardec às respostas dos Espíritos nas questões 7 e 8 de O Livro dos Espíritos.

(11) Carl Sagan – Superinteressante - (destaque nosso)

(12) MARGULIS, Linn . Microcosmos- quatro bilhões de anos de evolução microbiana. Cit., pg.34.

(13) Idem, pgs.35 e 36. (grifos nossos)

(14) Panspermia : do grego pan = total e sperma = semente. Sementes de vida, sementes por toda parte.

(15) DAVIES, Paul. Vida Alienígena pode estar na Terra. O Estado de São Paulo, 11 set. 2005.

(16) A Bíblia de Jerusalém - Gn, 2:7

(17) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos – perg. 27

(18) SÃO MARCOS, M.Pelicas. Filosofia Espírita (Tomo II)

(19) KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos - perg. 27

(20) ANDRÉA, Jorge, Impulsos Criativos da Evolução, pag.39 (grifo nosso)

(21) KARDEC, Allan. A Gênese - cap.VI, item 18

(22) Termo próprio da Filosofia Espírita para designar o princípio inteligente

(23) DELANNE, Gabriel. Evolução Anímica

(24) SÃO MARCOS, M. Pelicas. Filosofia Espírita

(25) KARDEC, Allan . A Gênese – cap X , item 11

(26) MARGULIS, Linn . Microcosmo - pag.56

(27) SÃO MARCOS, M. Pelicas. Filosofia Espírita e seus Temas, pg.26.

(28) KARDEC, Allan . O Livro dos Espíritos - cap. I, perg. 3

(29) Idem, perg. 23

(30) DAVIES, Paul. Vida Alienígena pode estar na Terra.O Estado de São Paulo, 11 set. 2005.

(31) KARDEC, Allan. A Gênese - cap. X, item 30.

(32) HERCULANO PIRES, - Agonia das Religiões – p. 56

 

 

BIBLIOGRAFIA

- ANDRÉA, Jorge. Impulsos Criativos da Evolução, Rio de Janeiro, Ed. Espírita Lorenz, 3ª

edição, 1995

- _____ Psicologia Espírita – nº 2. . R. Janeiro, Editora F.V. Lorenz1991

- A Bíblia de Jerusalém.

- CHARON, Jean E. O Espírito, este Desconhecido. Editora Melhoramentos, 10ª ed. 1990

- DELANNE, Gabriel - A Evolução Anímica. Rio de Janeiro, FEB, 8ª edição., 1995

- _______ - O Espiritismo perante a Ciência., Rio de Janeiro, FEB, 1993

- DENIS, Léon – O Grande Enigma. Rio de Janeiro, FEB, 10ª edição, 1992

- KARDEC, Allan – A Gênese. Rio de Janeiro, FEB – 31 ª edição

__________O Livro dos Espíritos. Editora Petit, São Paulo, 1999

- LEAKEY, Richard. A origem da Espécie Humana. São Paulo, Editora Rocco, 1995

- PIRES, Herculano P. Agonia das Religiões. Paidéia

- MARGULIS, Lynn e SAGAN, Dorian. Microcosmos. São Paulo, Editora Cultrix, 2002

- MORAIS, Jomar – Revista Superinteressante, abril de 2003

- SAGAN, Carl . Como a Vida Começou. Superinteressante (....)

- SÃO MARCOS, M. Pelicas. Filosofia Espírita (Tomo II). São Paulo, Feesp. 1ª edição, 1997

- USBERCO, João e SALVADOR, Edgard. Química. São Paulo, Ed. Saraiva, 4ª edição, 1999

- PORTASIO FILHO, M. de Oliveira. Deus, espírito e matéria. São Paulo, Feesp, 2000

- ZIMMER, Carl. À beira d´Água- Macroevolução e a Transformação da Vida. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999

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- http://www.zenite.nu/glossário 2

- Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa – 10.5ª.

 

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