Art&MusicaLSlides® Fauser - "LULA E LINCOLN"

Repasso artigo de meu amigo Waldo Viana, escrito em 2002, poucos meses antes da reeleição de Lula.

A crítica não perdeu a validade e, infelizmente, o próprio personagem alardeia a comparação e o auto-elogio.

 

DA SÉRIE "NO BRASIL NADA ACONTECE DE NOVO", CONSEGUI ENCONTRAR VELHO ARTIGO MEU QUE ENGLOBA A COMPARAÇÃO ATUAL QUE ESTÃO FAZENDO ENTRE LULA E ABRAHAM LINCOLN.

 

OS ESTÚPIDOS DA TURMA DE ACADÊMICOS DO EIXO USP-UNICAMP JÁ ESPALHAVAM A BABOSEIRA EM 2002.

  

  

O AUTODIDATISMO DE LULA E OUTROS DIDATISMOS

Waldo Luís Viana 

 

“Não há nada mais terrível do que uma ignorância ativa.”

GOETHE

 

 

        Chegamos a um ponto de inflexão, na campanha presidencial, em que os medrosos e eternos aproveitadores vão tentando se compor com o provável vencedor que começa a ser assinalado na linha do horizonte. E tal é o poder de adaptação moral dessa gente, uma espécie de “mimetismo brasiliense”, que começa a ser fabricada uma nova espécie de “duplipensar” orwelliano, em que inteligência pode ser ignorância, saber se torna desnecessário (ou uma necessidade fascista), preparo intelectual é exigência de preconceituosos e aristocratas e carreira política efetiva, com acertos e erros em cargos públicos, passa a ser pecado.

 

        O medo de Lula já não é a porca hipocrisia dos banqueiros e mega-empresários que fabricam falsas expectativas de risco, estrumando o mercado financeiro com “dissonâncias cognitivas”, mas um temor difuso (“será que esse cara vai ganhar mesmo; temos que salvar nossa pele”) que se instaura na sempre vitoriosa classe político-lobista, que está quietinha, esperando o término da pantomima de 6 de outubro.

 

        O eterno perdedor de antes, que se candidatava sempre para eleger um poste – como já assinalou certa feita o sr. Delfim Netto – não é mais apontado como um dom Quixote despreparado da classe operária, um candidato incapaz, pelas poucas luzes intelectuais, de realmente atingir a mais alta magistratura da República. Após algumas campanhas perdidas e alguns governos do PT, não notabilizados por grande aprovação pública, eis que o personagem se transforma repentinamente num iluminado autodidata, que, da mesma forma que Lincoln, cumpriria finalmente o seu destino de estadista.

 

        O Lula de hoje está sendo “vendido” como uma infalibilidade, uma ultrapassagem dialética do malsinado governo Fernando Henrique Cardoso, que trouxe tanto desespero ao povo brasileiro e tantas alegrias aos financistas internacionais. Parece que não temos mais opções: se o afastarmos de nossa predileção - induz um coro afinado na mídia - estaremos exercendo o mais infame preconceito sobre uma pessoa que já provou pelo sofrimento, de ter vindo de baixo e por uma biografia de luta política respeitável, que tem o “savoir-faire” presidencial automaticamente impresso em si próprio, como uma espécie de imperativo genético.

 

        Sem dúvida – diriam – o DNA de Lula é presidencial! É o candidato perfeito, porque incriticável. Virtuoso e puro porque não há nada em sua biografia que o desabone. Líder sindical, fundador do PT e empregado do partido, com um mandato de deputado federal por São Paulo, de que não se pode lembrar qualquer iniciativa de peso ou projeto aprovado, sua candidatura vai caminhando em céu de brigadeiro, liderando pesquisas desde o primeiro momento e irrepreensível na simpatia que exibe na recitação do texto decorado.

 

        Na Internet, circulam mensagens comparando-o a Lincoln, que era filho de sapateiro e veio de uma infância muito pobre até se tornar, em 1860, o 16º presidente dos Estados Unidos. Tal como Lula, Lincoln foi “autodidata” e escandalizou a aristocracia americana, por ser um homem do povo a atingir a presidência. É claro que se omite o fato de que o presidente americano conseguiu, antes, se tornar brilhante  advogado, sendo aprovado nos exames de Direito por “notório saber”, em 1836. Essa circunstância é cuidadosamente omitida, porque talvez seja uma lembrança preconceituosa e incômoda a denunciar um “pequeno detalhe” dissonante na biografia dos dois homens públicos. Também se omitem os fatos de que Lincoln exerceu quatro mandatos do que corresponde no Brasil à deputação estadual e foi representante de Illinois no Congresso americano (1834-1840), o equivalente a deputado federal. E que, antes de ser presidente, perdeu uma eleição para o Senado, em 1858. Como se vê, detalhes que não precisam ser comentados, dado o objetivo a atingir...

 

        No momento em que vivemos, o candidato Lula passa a ser uma unanimidade. Ai de quem disser qualquer coisa sobre ele ou que conteste a sua célebre frase: “é fácil resolver os problemas do Brasil”. Ele não teria nenhum óbice para governar porque “vai sentar e discutir com todos”, sempre negociando democraticamente. Bastaria isso para administrar o país? Ah, não! Lula está sempre brandindo propostas de governo, compendiadas por um grupo de iluminados acadêmicos, um gabinete das sombras que funcionará sob seu comando e que o auxiliará a cumprir seu destino salvífico e carismático.       

 

        O Brasil, então, se acalmará, como por encanto, e também o FMI, as agências multilaterais e demais credores do país. As oligarquias e plutocracias nacionais encolher-se-ão e, finalmente, com esperteza e senso de oportunismo histórico cederão os anéis para não perder os dedos. Naturalmente viveremos, a médio prazo,  no melhor dos mundos...

 

        Tal automatismo, típico dos ingênuos e dos que acreditam em contos de fadas, está sendo vendido a todos como realidade, vale dizer, o milagre está em que a ignorância não ultrapassada por um convincente “notório saber”, o eloqüente despreparo intelectual, escondido pelo marketing de campanha e a inexistência de uma carreira política em cargos públicos relevantes, o que impediu o candidato de cometer acertos e erros e de ser criticado, compuseram os ingredientes da encenação que colocam Lula como o único capaz de promover as mudanças radicais que o Brasil exige, desde os tempos de colônia. Faz-se de conta que o candidato do PT “já governou”, que, finalmente, “ele passou a saber” e que, diferentemente das outras pessoas, que têm que ir á escola, fazer carreira universitária e experimentar empregos, mestrados e doutorados, Lula não precisa de nada disso para governar, porque eleição não é concurso público. E que, na verdade, esses “detalhes sem importância” pouco influem, porque os que se prepararam e tentaram governar o país fracassaram todos e agora se deve dar oportunidade ao lado oposto, àquele que, por não ter tido oportunidades, tem a suprema sensibilidade social para resolver todos os problemas brasileiros.

 

        Esse didatismo é espalhado subliminarmente e é o dado mais importante da campanha presidencial: “se Lula não vencer, o povo será derrotado, porque Lula é o povo e jamais haverá de traí-lo”. Esse “raciocínio” vai sendo fixado nas mentes, como se os que estudaram e fizeram carreira política ipso facto estivessem inabilitados a governar e fossem naturalmente corruptos, porque o que importa agora não é a experiência e sim a falta dela. Uma sociedade complexa como a nossa não precisaria de experiência nem de visão de mundo. Basta uma personalidade emblemática e tudo se resolverá. O poder não necessitaria mais da força da inteligência, mas da legitimidade da ignorância ou – o que é pior – do império da opinião partidária.

 

Esse é o “diktat” a que estamos submetidos nesse final de campanha e que poderá custar muito caro, pelo engodo que representa. Não importa, na verdade, se haverá ou não segundo turno. É muito provável que sim. Mas qualquer que seja “o outro”, desta vez ele estará conspurcado pelo pecado de ter sido realmente político e ter submetido, ao longo do tempo, suas idéias e realizações ao julgamento do povo. É muito difícil derrotar um candidato cujas virtudes independem de qualquer conferência de seu valor na prática de governo. E cuja retórica aponta para um futuro radioso que só se exemplifica teoricamente e pela impossibilidade de confrontação com qualquer paradigma.

 

Como se adaptar a um futuro governo Lula? Esse é o dilema sofrido da eterna elite que freqüenta a capital federal e cujo único objetivo é realmente salvar a pele...

 

 

Rio de Janeiro, 25 de agosto de 2002.

 

 

 

Waldo Luís Viana é escritor e autor do livro “Eleições, a Verdade do Seu Voto” (Ed. Cátedra, 1988).

 

 

O ARTIGO ACIMA PODE SER ENCONTRADO EM MEU LIVRO "O OUTONO DO MEU TEMPO I, AS DESCONVERSAS DE LULA" (2005), DISPONÍVEL EM www.clubedeautores.com.br

 

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