Art&MusicaLSlides® Manuel - "A TOGA NO CHÃO !"

 

18/09/2013 - 03h00

 

José Paulo Cavalcanti Filho: Toga no chão

Adaucto Lúcio Cardoso apoiou o golpe militar, foi fundador da Arena e, em 1966, era presidente da Câmara dos Deputados. Mas não se curvava, diferentemente da grande maioria dos homens daquele tempo. E de hoje, também. Mesmo aqueles a quem nos referimos como vossas excelências.

Quando o general Castelo Branco cassou o mandato de alguns deputados, reagiu altivamente. E declarou considerar sem efeito as cassações. Por pouco tempo. Que, no fim daquele mesmo dia (20 de outubro de 1966), o Exército ocupou o Congresso Nacional.

Na reabertura dos trabalhos (em 22 de novembro), Adaucto disse não aceitar a humilhação de ver o Parlamento fechado. Uma resposta rara dada por quem apoiava o governo. Nenhum dos outros presidentes, do Senado ou da Câmara, neste e nos dois outros momentos em que o Congresso foi fechado (em 13 de dezembro de 1968 e 1º de abril de 1977), sequer protestou.

Renunciou à presidência. Mas acabou indicado para o Supremo Tribunal Federal.

Adaucto honrou a casa. Respeitava as leis. Mas sabia ouvir, também, a voz das ruas.

Tanto que concedeu habeas corpus ao líder estudantil Vladimir Palmeira e a Darcy Ribeiro, então preso. Para desgosto dos ocupantes do Palácio do Planalto, que cobravam subserviência. E a recebiam de (quase) todos. Até de juízes. Estamos falando de tempos idos, claro.

Segue a vida e, em 1971, o general Médici editou o decreto-lei nº 1.077 --que estabelecia a censura prévia de jornais, revistas e livros. Em aberta violação à Constituição de 1969, que não admitia qualquer censura. Deve ter rido, ao assinar. O general gostava de rir, senhor meu. Eram negros anos.

Naquele tempo, apenas o procurador-geral da República podia questionar a constitucionalidade das normas jurídicas. O MDB, então único partido de oposição, pediu que impugnasse o decreto-lei. E o procurador-geral, subserviente, teve o desplante de declarar que não via qualquer violação à Constituição. Nada a estranhar que haja sempre homens assim, dispostos a pagar, com decisões e votos, suas nomeações aos cargos.

O MDB entrou com reclamação diretamente no Supremo. Adaucto pôs em julgamento. Mas fez, antes, discurso afirmativo, indicando que os brasileiros esperavam um gesto do Supremo. Discurso de quem, ao contrário de alguns pares seus, tinha coragem cívica.

Ao fim da votação, apenas ele votou contra a censura. Os demais ministros exercitaram a vilania se refugiando em tecnicalidades. De onde menos se espera, daí é que não vem nada mesmo, ensinava Millôr.

Adaucto declarou que seus pares envergonhavam a casa. Que não se sentia mais à vontade para conviver com eles. E jogou sua toga na curul (assim se chama a cadeira dos ministros), segundo uns; ou no chão do plenário, segundo outros. Após o que foi embora. Saiu do Supremo para entrar na história, dá vontade de repetir a frase de Getúlio. Evandro Lins e Silva, mestre querido, disse que "sua atitude foi única, continua única e provavelmente nunca se repetirá". Será?

P.S. Hoje, não estarão em julgamento os embargos infringentes. Hoje, quem será julgado é o Supremo.

* JOSÉ PAULO CAVALCANTI FILHO, 65, advogado no Recife, é membro da Comissão Nacional da Verdade

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