Art&MusicaLSlides® Fauser - "ISTO É : O candidato dos milicos"
O Plano “B” dos militares (pela via eleitoral e não golpista) cresce nos quartéis e também na Internet.
Se confirmar sua candidatura, o general Augusto Heleno pode complicar o cenário da sucessão presidencial.
Revista ISTO É
Data: 02/03/2014
Página: 30
O candidato dos milicos
Movimento surgido na caserna e que já conta com o apoio de mais de cinco milhões de pessoas quer lançar o general Augusto Heleno, chefe da missão brasileira no Haiti, para concorrer à presidência da República
Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
Aos 66 anos, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira é um fenômeno que não aparece nas pesquisas de intenção de voto nem frequenta as análises políticas convencionais. Na internet, porém, sua eventual candidatura à Presidência da República tem feito sucesso. Conforme dirigentes de 68 associações de militares da reserva, que costumam refletir o pensamento de boa parte da caserna, o movimento "general Heleno presidente" alcançou nas últimas semanas o apoio de 5,7 milhões de eleitores. Uma ordem de grandeza respeitável em qualquer circunstância. Apesar desses números, o general Heleno, que foi comandante militar da Amazônia, e também esteve à frente das tropas da ONU que mantêm a ordem no Haiti, construindo uma rara liderança fardada nascida após a democratização do País, tem tudo para se transformar na principal estrela de um movimento de caráter simbólico. Oficial da reserva desde maio de 2011, ele teria de ter preenchido alguma ficha de filiação partidária até outubro do ano passado para poder disputar a eleição e até agora não se posicionou sobre isso. Seus aliados não confirmam nenhuma vinculação partidária do general, embora também não descartem a possibilidade de este ser um segredo estratégico. O certo é que, com o apoio que tem recebido, o general não será um eleitor qualquer.
POLÊMICO
O general Augusto Heleno: ele disse que a política indigenista do governo Lula era "lamentável, para não dizer caótica"
O sucesso do general na internet tem explicação. Num universo político em que os principais candidatos têm uma postura que admite apenas mudanças de tonalidades cinzentas entre o centro e o centro-esquerda, com receio de descontentar eleitores desconfiados da propaganda eleitoral, o general apresenta um discurso conservador que um bom número de eleitores gosta de ouvir. Ele tornou-se uma celebridade instantânea ao dizer que a política indigenista do governo Luiz Inácio Lula da Silva era "lamentável, para não dizer caótica," afirmação que lhe custou o comando militar da Amazônia. De lá para cá, ironizou o "passado ilibado" de Renan Calheiros, criticou a política econômica do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e chamou o acordo do Mercosul de um "mero tratado bolivariano". Heleno já definiu o ex-ministro José Dirceu como o "maior colecionador de rabos presos" da República. Aliados e amigos do general afirmam que, ainda que a legislação impeça uma candidatura própria, irão entrar na campanha como parte de um "movimento anti-PT." O capitão Augusto Rosa, um dos mais ativos aliados do general, faz críticas ao programa Bolsa-Família que a oposição civil abandonou há muitos anos. "Estamos criando uma geração de pais vagabundos que não servem de referência para os filhos."
O discurso conservador não faz do general Heleno um defensor do golpe militar de 1964, mas aos mais próximos ele gosta de repetir uma afirmação pouco convicta sobre os valores democráticos. "Democracia é quando eu mando
O vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, Eliezer Rizzo, analisa a emergência do descontentamento militar como parte do descontentamento geral do funcionalismo com os salários. No governo Lula, relembra, o Planalto investiu em plano de recuperação salarial do funcionalismo e ganhou a simpatia geral, inclusive dos fardados. Mas essa política foi abandonada no governo Dilma, levando a uma reação previsível nas repartições e na caserna. Para Eliezer Rizzo um movimento dessa natureza faz parte natural dos regimes democráticos. "É preferível ter um partido pró-militares disputando eleições a ter grupos em atitude de confronto com o sistema democrático. Grande parte da população considera a democracia como frágil, corrupta, inoperante, como se um regime forte e antidemocrático não padecesse de situação similar. Mas o regime democrático pode perfeitamente incorporar essa iniciativa."
Os militares estão misturados à política brasileira desde a Proclamação da República, que foi obra de um golpe militar. Depois de Deodoro e Floriano, os dois primeiros presidentes, o Brasil teve um terceiro general presidente, Eurico Dutra. Além deles, no pós-guerra surgiram dois candidatos competitivos, ainda que derrotados nas urnas, o brigadeiro Eduardo Gomes e o general Henrique Lott. Uma diferença é que esses candidatos nasceram no interior de partidos civis, enquanto o movimento que carrega o general Heleno nasceu no universo militar, em suas famílias e associações de reservistas. Os militares têm causas que seduzem muitos eleitores, como o combate às cotas raciais e também ao casamento entre homossexuais. Sua agenda, no entanto, tem vários elementos típicos da caserna.
O Partido Militar Brasileiro denuncia a investigação conduzida pela Comissão da Verdade em torno dos crimes do regime como uma forma de revanchismo. Embora determinadas atitudes da Comissão possam mesmo estimular a interpretação de que se trata de um movimento "revanchista", ela cumpre um papel necessário, indispensável à democratização que se defronta com a memória da tortura. No próximo 31 de março, data que foi retirada do calendário das celebrações militares pela presidenta Dilma Rousseff, o general Heleno vai dar uma palestra sobre a deposição de João Goulart para um grupo de maçons de Brasília.
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