Art&MusicaLSlides® "AS PECULIARIDADES DE UMA ARTE ESPÍRITA"

AS PECULIARIDADES DE UMA ARTE ESPÍRITA

 

Marcelo Henrique Pereira

 

A expressão “arte espírita”, ao longo do tempo, já suscitou variados e constantes debates. De nossa parte, preferimos não polemizar e consideramo-la como sendo a comunicação das idéias espíritas através dos recursos artísticos, encampando, assim, toda e qualquer manifestação criativa do espírito humano. Assim sendo, a par da conceituação dos compêndios especializados sobre “o que é ou não é” arte, preferimos ampliar ao máximo nossa compreensão sobre o vocábulo, para, assim, englobar, inclusive, as construções literárias de nosso tempo. Hoje em dia, com os recursos técnicos da informática, entramos ainda numa nova fase da arte, qual seja a da “arte cibernética”, sem nos importarmos se o produto (resultado) será ou não “consumível”, “financeiramente avaliado”, ou, em última questão, “impresso e exposto”.

 

A partir desta premissa, procuremos situar o tipo de arte que recebe a adjetivação espírita. Lembramos, inicialmente, que as manifestações, seja do Codificador, seja dos Espíritos Superiores, na Codificação ou na Revista Espírita – mormente no que concerne à definição da “música celeste” e da “arte espírita”, que, em suma, destacam que assim como a arte pagã foi sucedida pela cristã, esta o será, um dia, pela arte espírita, pois, segundo o espírito Alfred de Musset (Revista Espírita, Dezembro de 1860 – A arte pagã, a arte cristã, a arte espírita), “[...] o Espiritismo abre à arte um campo novo, imenso, e ainda inexplorado, e quando o artista trabalhar com convicção, como trabalharam os artistas cristãos, haurirá nessa fonte as mais sublimes inspirações.”

 

A comparação com a arte cristã é, pois, necessária e inevitável. Ocupando-nos, tão-somente, da observação das obras renascentistas, vamos ter excelentes exemplos para nossa digressão em relação à arte espírita. Onde se encontram, via de regra, as principais obras que transmitem religiosidade e fé, sob a efígie cristã? Nas igrejas, mosteiros e museus, de todo o mundo. Aqui mesmo, no Brasil, se precisarmos analisar a temática cristã na arte, teremos que, necessariamente, adentrar às principais igrejas das metrópoles, maravilhando-nos com a perfeição das formas, a riqueza dos detalhes e a consistência das cores.

 

Este é, primordialmente, o ponto de partida para nossa análise da profissionalização da arte. Mas, antes que dela nos ocupemos, façamos a seguinte admoestação: a que tipo de arte espírita estamos nos referindo? Isto, é claro, dentro da definição pontual de que “arte espírita é aquela que transmite idéias, preceitos, fundamentos, informações da filosofia espírita, através das suas mais diversas formas de expressão (artística), para expectadores, leitores, ou, até, consumidores”. Digo isto, porque há uma diferenciação específica no tocante ao “uso” da arte. Já explico: há arte espírita feita dentro das instituições espíritas (e para elas), como mormente se costuma considerar o trabalho (notável e oportuno) das secções de educação espírita (das variadas faixas etárias), que utilizam-se dos recursos artísticos para aprender/ensinar os postulados espíritas. É (ou não) arte espírita? Sem dúvida, porque os pressupostos básicos acham-se atendidos (utilização de recursos artísticos e transmissão de idéias espíritas).

 

Vamos, então, fazer um paralelo. Há, no Brasil, diversas companhias ou grupos de teatro espíritas. Vez por outra, eles visitam a sua cidade, geralmente apresentando esquetes ou peças – as mais das vezes, adaptações de livros consagrados, como os romances de Emmanuel, por exemplo. Apresentam-se, assim, nos melhores teatros das cidades, cobram ingresso e atraem multidões (entre espíritas, simpatizantes e curiosos). Fazem arte espírita? Sem dúvida, porque novamente aqui, atendem aos requisitos estabelecidos como fundamentais (vide parágrafo anterior).

 

Vejamos outro exemplo: a instituição espírita gostaria de comemorar seu aniversário de fundação ou o do mentor espiritual ou de um antigo trabalhador. Configura e institui um concurso literário ou um de música-tema, tendo como enfoque uma ou outra homenagem. Define-se, pois, os critérios, organiza-se o trabalho do concurso, convidam-se os críticos e julgadores, recebem-se os trabalhos, efetua-se o julgamento e realiza-se, enfim, a cerimônia de premiação dos vencedores e apresentação (ao público) dos trabalhos. É arte espírita? Evidente. Novamente são notórias as premissas daquela.

 

Haveriam, sem dúvida, outros exemplos, tão ricos quanto estes. Mas, fiquemos por aqui.

 

No primeiro caso, quase sempre, a tônica é a do amadorismo. São estudiosos, interessados, alguns até expoentes da arte, em uma ou outra “modalidade”, filiados a este ou aquele grupo, ou, até mesmo, profissionais que militam no campo artístico, mas que emprestam voluntariamente suas horas livres a serviço da difusão da doutrina espírita, participando, numa instituição, nas áreas que são-lhe mais atrativas e propícias, como o caso da educação.

 

Nos dois outros, há uma maior ou menor profissionalização, na medida em que, no exemplo da peça teatral, o grupo ou companhia “vive disso”, arregimenta pessoas capazes que credenciam-se através de cursos, universidades, trabalhos e outros, passando a buscar o sustento pessoal e de sua família, através da profissão artista. No outro, o do concurso (literário ou musical), geralmente são previstos prêmios (muitos em dinheiro), ou, indiretamente, se garante a publicação editorial ou a gravação (em estúdio) e a conseqüente comercialização do(s) trabalho(s) musicais. Este atrativo, inclusive, motiva artistas profissionais (nem todos espíritas ou simpatizantes da doutrina) para criarem seus trabalhos dentro da temática pedida, e, quase sempre, com excelentes resultados.

 

O leitor já deve ter percebido o real divisor de águas que existe na digressão acima. Em determinadas situações, temos a arte “amadora” e, nas demais, a “profissional”. Pelo visto, vamos aplicar aqui o adágio “daí a César o que é de César” para admitir que a “profissionalização” da arte espírita obedece aos parâmetros de sua configuração, em termos de objetivos e alcance. Qual o resultado que queremos? A que público pretendemos cativar? Com que “espécies” de propostas artísticas pretendemos “competir” no mundo social? Qual o produto que pretendemos colocar no mercado?

 

Penso, efetivamente, que uma configuração de arte não precisa, necessariamente, anular a outra. Entendo que há espaço, lugar, e até “mercado” para ambas. Há, inclusive, um comercial que vende “assinatura de jornal” que oferece como “brinde” um compêndio e um cd sobre a música popular brasileira, em que o fundo musical aponta para “aqueles que têm fino gosto e apurada percepção musical” (os que gostam da “boa” música), e os que ainda se comprazem com “coisas” como o “bonde do tigrão”. Há mercado para todos, ou, como costuma-se dizer nas plenárias espíritas, a atração e o interesse por isto ou aquilo é direcionado pelo padrão evolutivo-espiritual de cada ser.

 

Devemos, então, continuar presenciando apresentações e construções artísticas ainda majoritariamente amadoras na execução, embora possamos estar diante de virtuoses ou grandes valores expoentes das artes. O diferencial, em nosso parecer, está na “estrutura” da apresentação/veiculação e no público que se almeja alcançar.

 

Fazendo um paralelo com outra área em que militamos – a educação espírita infanto-juvenil – costumamos apresentar o mesmo quadro comparativo: há as instituições que “aceitam” o trabalho, mas nele não investem “um centavo”, nem dão o apoio logístico e moral necessário para a melhoria da atividade, e há as que procuram “colocar cada macaco no seu galho”, credenciando para a tarefa os “especialistas”, que não precisam ser (ou nem sempre estão disponíveis) os pedagogos e professores das escolas e universidades públicas e privadas, mas são aqueles que demonstram um maior “feeling” para a proposta, os quais, quase sempre, mesmo não graduados, participam de cursos de formação/especialização/reciclagem, espíritas e leigos, para um melhor desempenho de seus misteres.

 

Aqui, como lá, o limite se estabelece entre “profissionais” e “amadores”. E o resultado, caros amigos, será proporcional ao conjunto de caracteres que dispensarmos em seu projeto e execução. Em suma, se queremos uma arte de qualidade, necessariamente teremos que destinar aos executores um quantum de recursos e condições que possam desembocar em resultados positivos. É a hora, efetivamente, de se deixar de lado o proselitismo religioso e o espiritismo para dentro das nossas paredes e muros, para apresentar à sociedade a proposta espírita de visão do mundo, das relações interpessoais e das ilações entre o plano dos vivos e o dos mortos. Há, assim, – mesmo mobilizando recursos financeiros e “premiando” financeiramente os profissionais da arte (ou da educação) com salários compatíveis aos de mercado, para propostas mais amplas, – que considerar que o “daí de graça o que de graça recebestes” não inviabiliza a permissão de que aqueles que vivem da profissão arte ou da profissão educação (pois há várias escolas “espíritas”, particulares, regiamente pagas, de norte a sul do país), possam ser aquinhoados de acordo com o “suor de seus rostos”. Honestamente.

 

Esta é a nova (?) proposta da arte espírita para o nosso tempo.

 

E, mais uma vez, se não nos “instruirmos” para tal, e nos “amarmos” conforme a dicção espírita, poderemos, uma vez mais, enquanto homens, estarmos passando à frente o archote do conhecimento espiritual, para que outra concepção filosófica ou revelação divina, possa conduzir a contento a Humanidade. Porque nós, uma vez mais, deixamos de lado “o trabalho que seria nosso”.

 

Viva a arte espírita!

 

* Diretor de Política e Metodologias de Comunicação, da Associação Brasileira de Divulgadores do Espiritismo (ABRADE) e Delegado da Confederação Espírita Pan-Americana (CEPA), para a Grande Florianópolis – SC.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário