Insatisfação que gerou protestos no Rio e SP vai além do preço da tarifa

Eduardo Simões e Felipe Pontes

14/06/2013 - 20h59

A insatisfação que levou milhares às ruas em São Paulo e Rio de Janeiro nos últimos dias, em manifestações que resultaram em inúmeros atos de violência, vai além do descontentamento com a elevação na tarifa do transporte público.

E no momento em que o Brasil está sob os holofotes às vésperas de receber grandes eventos internacionais, o movimento ganha corpo e se espalha por outras capitais do país.

A abertura de canais de diálogo entre autoridades e manifestantes para evitar uma escalada dos confrontos é necessária, na visão de analistas. Mas a inexistência de uma liderança clara nas ruas, apesar de os protestos terem sido convocados pelo Movimento Passe Livre (MPL), complica a negociação.

Desde a semana passada manifestantes, em sua maioria jovens e estudantes, têm protestado contra o aumento de 20 centavos nas tarifas do transporte público no Rio e em São Paulo --foi para 3,20 reais na capital paulista e para 2,95 reais na capital fluminense.

Autoridades descartam rever o preço e argumentam que o reajuste, inicialmente previsto para janeiro, foi postergado para junho e veio abaixo da inflação.

Nas duas cidades, e também em Porto Alegre, os protestos acabaram em confronto com a polícia, e ônibus e espaços públicos foram depredados. No caso de São Paulo, órgãos de defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos expressaram preocupação com a atuação da polícia, detenção de jornalistas, e a escalada dos conflitos.

Para a professora Angela Randolpho Paiva, do Departamento Ciências Sociais da PUC-RJ, o movimento emana de uma insatisfação difusa de estudantes.

"É um grupo de estudantes, inclusive estudantes de classe média que estão na rua num momento de uma catarse mesmo. Quer dizer, os 20 centavos foram estopim para muita insatisfação com o que está acontecendo e tomara que usem essa energia para outros protestos", disse a professora.

Ela aponta como possível força motriz dos protestos os elevados gastos governamentais com a organização dos grandes eventos esportivos no país. "Eu diria que tem uma insatisfação quando você vê que esses eventos têm prioridade número um na gestão pública. Todo dinheiro é gasto nisso", disse.

Nesta sexta-feira, um grupo protestou na avenida Paulista, a principal de São Paulo, contra o uso de recursos públicos na organização da Copa do Mundo de 2014. Manifestação semelhante foi realizada em Brasília. O tema Copa também esteve na palavra de ordem dos manifestantes, na quinta-feira, que afirmavam que, se tarifa não fosse reduzida, parariam a cidade e impediriam a realização do evento.

Com o início da Copa das Confederações no sábado, e a um ano do Mundial, a Fifa também se manifestou sobre os distúrbios e disse estar "monitorando a situação".

Na avaliação do coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva Filho, a falta de uma liderança dos manifestantes complica uma eventual negociação com a polícia para que as manifestações não se tornem violentas.

"Tudo que não tem CNPJ, pela experiência nossa, vai dar problema. Quando a gente fala CNPJ, a gente quer dizer entidade constituída, amadurecida, com responsáveis definidos", disse.

Poder das redes sociais

Embora os especialistas ouvidos pela Reuters descartem uma "Primavera Brasileira", numa analogia com os protestos de rua que derrubaram regimes totalitários em países árabes, eles veem uma semelhança até então ainda não detectada no Brasil: a força das redes sociais, o veículo usado para convocar os protestos.

"Uma coisa é certa, o poder das redes sociais. Isso não pode ser desprezado em hipótese nenhuma. Essa questão da passagem é muito inesperado ter tomado essa proporção", disse Paiva, da PUC-RJ.

Os especialistas concordam que o momento é de diálogo entre as autoridades e os manifestantes, até mesmo para evitar um afastamento entre a população e as forças de segurança.

"A questão é que vai acirrando os ânimos e aquele sujeito que vai lá só protestar vai criando um ódio do policial. E o policial vai se vendo como diferente daqueles manifestantes e aquilo é de onde ele vem. Isso é ruim para a sociedade", disse Guaracy Mingardi, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

(Reportagem adicional de Pedro Fonseca, no Rio de Janeiro e Maria Carolina Marcello e Jeferson Ribeiro, em Brasília)

 

 

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